quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Intolerance (I)


Conta-se que quando terminou as filmagens de Intolerance, David Griffith (1875-1948) tinha cem mil metros de película, correspondente a setenta e seis horas de projecção. À história que constituira o ponto de partida - uma greve sangrentamente reprimida - juntara três reconstituições históricas (a Paixão de Cristo, a queda de Babilónia, a Noite de São Bartolomeu) com recurso a meios complexos e dispendiosos. O filme, estreado em Setembro de 1916, acabaria por ficar com três horas.
Grifith, escreveu João Bénard da Costa, definiu o cinema tal como o conhecemos hoje, a indústria cinematográfica e as tensões entre a indústria e a arte. O cinema como montagem, alternando histórias, de forma ora mais lenta ora mais rápida, ora distinguindo os tempos, ora fundindo-os. A indústria como produção de espectáculo para um público consumidor. Mas o cinema também como específica expressão artística de um autor (Intolerance está recheado de marcas de autor, por vezes até um pouco extravagantes).
Mas o que mais me impressionou em Intolerance foi, se me posso exprimir assim, a afirmação do ponto de vista. A acção é sempre apresentada por um ponto de vista, o olhar sentido ou pressentido de um personagem, frequentemente uma mulher. Desde o leit motiv, a mulher que empura o berço do bébé, à jovem montanhesa rebelde que se apaixona por Bartazar, à jovem mãe a quem as reformadoras retiram o filho e a lei ameaça o marido.
Intolerance não teve a fortuna do seu antecessor, The Bird of a Nation (1915) e Griffith ficou a pagar dívidas até à morte. A Europa, em plena Grande Guerra, recebeu o filme sem simpatia censurou-o drasticamente.

2 comentários:

J J disse...

Detesto estragar uma boa estória e a ruína de um génio é imbatível…Mas não é verdade que Intolerance tenha arruinado Griffith. Levou-lhe seguramente boa parte da fortuna que tinha ganho com Birth Of A Nation e deixou-o em maus lençóis durante a I Grande Guerra mas a remontagem do filme nas suas partes distintas garantiu que The Fall Of Babylon e The Mother and The Law fossem colossais sucessos (principalmente na Europa) e é um homem rico que se junta a Douglas Fairbanks , Mary Pickford e Charlie Chaplin para fundar, ainda em 1919, a United Artists.
Depois de filmar Hearts of the World durante a Guerra, faz com a sua “musa inspiradora” Lillian Gish três filmes geniais: Broken Blossoms (1919), True Heart Susie (1919) and Way Down East (1920). Uma cena deste último, em que a heroína desce o rio em cima de um bloco de gelo, deve ser uma das mais marcantes cenas da história do cinema; o filme foi apontado nos Cahiers du Cinema, numa votação na década de 60, como o seu melhor.
Depois disso a sua fortuna tem altos e baixos, mas até o péssimo Abraham Lincoln (1930), feito já na Paramount, é um enorme êxito comercial. Só dois anos depois é despedido, por se considerar “impossível” trabalhar com ele, e termina uma carreira de 25 anos e 530 filmes, alguns deles desaparecidos.

João B. Serra disse...

O orçamento de Intolerance foi financiado pela produtora e pelo próprio Griffith. Aquela, que ele aliás deixou a seguir, para fundar a United Artists, sempre lhe disse que a bilheteira de Intolerance tinha sido um fiasco e exigiu-lhe a contrapartida. Griffith pagou, fazendo mais filmes, até 1930. Mas de tudo o que fez até esta data, só um foi uma superprodução. Não falei em ruina. Mas o fim de carreira do génio foi triste. Por culpa dele? Diz você.