terça-feira, 11 de novembro de 2008

"Sombras inquietas que contra mim se amotinam"

Volto à casa e demoro-me nos quartos frios do silêncio.
Esconderam os retratos dentro dos livros. E os livros
nas gavetas. E fizeram as camas para sempre de lavado.

O que aqui me fustiga é o teu nome, rente aos lábios,
mas quase sempre por dizer; e as sombras inquietas que
contra mim se amotinam atrás de cada porta, desafiando
os calendários. Sou uma máscara recortada nos vidros e

regresso para visitar um teatro vazio depois das palmas.
Os cenários estão mortos e, junto ao palco, já nenhuma luz
ilude ou alucina. Só mesmo a memória do teu nome, soletrado
agora por uma outra voz, longe daqui, ou a imagem de uma mão

a despir-te de todos os mantos, devolvendo-te ao primeiro
frio de ternura - como a espuma da onda mordendo lentamente
na areia o corpo do amante que, ao fim da tarde, ferido
pelos punhais do abandono, veio para se entregar à praia.

Maria do Rosário Pedreira, A Casa e o Cheiro dos Livros, Gótica, Lisboa, 2002, p. 72

4 comentários:

Margarida Araújo disse...

Triste. De uma enorme beleza.

Anónimo disse...

Numa palavra...PUNGENTE!!!

João B. Serra disse...

Neste livro, em especial, Maria do Rosário Pedreira, escreve sobre a perda resultante de uma partida provavelmente sem regresso: a memória que o tempo não apaga, o chamamento triste, a saudade, a esperança fruste, a dúvida sobre o regresso, o sentimento da ausência, o temor do esquecimento.
Mas "pungente" ...Oh, Manuela, eis um termo que em mim põe campainhas a tocar. Pungente = que causa dor moral. Eu preferiria talvez o ideia de "coisas por dizer".

Anónimo disse...

Pensei...pensei...

P-"coisas por dizer"?
R- "VIRE ESSA BOCA P'RA LÁ!!!"