domingo, 18 de janeiro de 2009

À janela (Matisse)

Henri Matisse, Conversation, 1911.
Museu Ermitage, São Petersburgo.

Pierre Schneider escolheu este quadro para a ilustração da obra monumental em 752 páginas que dedicou a Matisse (Matisse, Paris Flammarion, 1984, nova edição 1992).O quadro representa um par (de facto, o próprio pintor e sua mulher, Amèlie) e mostra a dualidade sobre a qual assenta a relação: linhas direitas e linhas curvas, de pé e sentado, interior e exterior. A janela separa e une. Partindo da dualidade, cria cumplicidade. 

Uma curiosa leitura desta obra é proposta por Schneider, que mostra como Matisse se separou do modelo de representação do casal estabelecido por Van Eyck em Arnolfini Portrait (1434), buscando inspiração no modelo da Annunciation de Fra Angelico (ca. 1450). 

Les Epoux Arnolfini de Van Eyck oferecia o modelo mais conseguido do género. Marido e mulher dão-se a mão. O laço que os une é materializado através de um contacto físico sem insistência: sinal de consentimento e não se sujeição.[…] É o que se teria passado em La Conversation, se a janela - a arte – não tivesse vindo interromper aquela relação. A janela separou os dois esposos, substituindo, como se tivessem acabado de receber uma notícia grave inesperada, a calma familiar por um clima de solenidade hierática. 

E de facto um novo esquema composicional é agora introduzido, a meio caminho, tanto formalmente como pelo seu sentido, entre o quadro do casal e o da trindade teofânica: o da anunciação, onde uma das personagens revela à outra a existência da divindade, a qual no entanto é apenas implícita, formando um triângulo cujo vértice dominante é invisível. Na Conversation, o homem surge separado da mulher, como o anjo da Virgem, em inúmeras Anunciações, pensando nomeadamente na de Fra Angélico nas Cenas da Vida de Jesus Cristo, onde o que os separa é uma janela aberta sobre um jardim […] 

Pierre Schneider, op. cit. p. 22-23

3 comentários:

Anónimo disse...

Temos visto diversos modos de estar à janela, trazidos até nós pelo João. Desta vez é um homem e uma mulher que conversam, olhando-se um ao outro. A janela está lá como que a convidá-los ao olhar conjunto na mesma direcção! Primeiro a atracção mútua, depois... o amor. Será? É apenas uma hipótese interpretativa, nada sei dessas coisas!
- Isabel X -

João B. Serra disse...

Isabel
Acrescentei mais alguma informação ao post. Espero ter correspondido a algumas das suas interrogações e dar origem a outras.

Anónimo disse...

Muito interessante a análise de Schneider e muito divergente da minha tentativa de interpretação. Eu tinha avisado que nada sabia deste assunto e era verdade. Não sabia que se tratava do casal Matisse. O hieratismo a mim encanta-me, nunca pensaria que pudesse significar o fim da calma familiar. A janela não me pareceu separá-los, mas trazer-lhes novas possibilidades de aprofundamento da sua relação. Esta análise de Schneider já me faz ver as coisas de outro modo. Outra interpretação que acrescenta ambiguidade à Conversation, ainda acentuada pelo facto de a colocar entre o quadro de Van Eyck e o de Fra Angelico, o que afinal só a valoriza. Não sei porquê lembrei-me de uma frase que um dia li e que dizia qualquer coisa como: "o casamento é a única forma legal de incesto".
Agradecida.
- Isabel X -