sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Sã Miguel (II): Marga

[...] Anos depois encontrei Vitorino no lançamento de um livro de Ana Maria Botelho. Conversámos imenso e ficou combinado ele ir a minha casa. A convivência tornou-se assídua, e um dia, sem saber a razão, encontrei-me nos braços dele.
[...] Não descrevo o Vitorino como poeta, escritor e grande intelectual, porque todo o mundo já se pronunciou nesse sentido e conhece a sua obra. Vitorino, o meu Vitorino, não é esse, mas sim o boémio, o humano, o sociável, o apaixonado, o bom amante. Um dos seus divertimentos era tocar as belas canções da Terceira, as célebres canções do José da Lata.
Vitorino não gostava da minha casa da Fajã de Baixo. Achava-a grande de mais, género palacete, mas adorava o jardim onde abundavam espécies exóticas. O que ele desejava era que eu vivesse numa casita pequena, com porta e duas janelas. E via-me a viver nessa poética fantasia.
[...] Surgiu o momento em que, em Lisboa, resolveram fazer uma reportagem sobre Vitorino Nemésio, mas na sua ilha Terceira. Ora, nessa altura estávamos os dois em S. Miguel, quando fomos informados que nos devíamos deslocar à Terceira. Assim foi.
[...] Acompanhei-o em vários acontecimentos, tais como na visita a uma casa solarenga que tinha pertencido a alguém ligado à sua família e a um almoço em casa dum senhor (de forma alguma me lembro do nome), uma casa de campo adorável e com um jardim cheio de flores.
Esse almoço, não posso nunca esquecer, foi muito alegre. Cantaram-se as melhores canções da Terceira, acompanhadas à viola pelo Vitorino, que várias vezes se enganou, mas lá vinha em seu auxílo um amigo ou amiga que o ajudavam a retomar a velha toada.
Fui com o Vitorino visitar a sua propriedadezinha chamada Mão roxa, realmente um sítio de conto de fadas, devido à situação da casa. Para se chegar lá, subia-se uma grande escadaria de pedra, coberta de musgo, muito verde, ladeada de um lado e de outro de velhas faias e de incensos. Nessa altura não tive a noção de viver uma realidade. Tudo me parecia fora deste mundo e só ouvia a voz do Vitorino dizer-me: É para aqui que nós viremos viver!
[...] Ele tinha a paixão dos cartões-de-visita. Os cartões-de-visita que hoje uso foram mandados fazer por ele, e, realmente, são muito elegantes, assim como os outros, de brincadeira, que são adoráveis, como este que a seguir reproduzo, alusivo a nós e à Mão roxa:

Margarida Victória, Amores da Cadela "Pura". Confissões da Marquesa de Jácome Correia. Vol. II. Lisboa, Bertrand, 2004. p. 150-158.

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