sábado, 21 de fevereiro de 2009

Entre nós e a realidade

José Pacheco Pereira no Público de hoje:

O universo mediático-político em que vivemos, usando o vocabulário comum, com a distanciação do real, a obsessão pela imagem e pela encenação, empobrecido e devastado pela crescente ignorância dos seus actores, políticos e jornalistas, ofuscado pela espectacularidade, tornou-se um poderoso ecrã que se interpõe entre a nós e a realidade. Às vezes duvido se haverá essa coisa subtil que é o real, mas recordo sempre, quando me lembro - ah! estas reminiscências! - de que há pobreza, desemprego, vidas difíceis, insegurança, doença e morte. Lá fora.

Eis um tema que de que a filosofia ocidental se ocupa desde Platão e a sua alegoria da caverna. Outras disciplinas, além da filosofia, se têm proposto ajudar o homem a encontrar o real: da psicologia à história, da antropologia às ciências da comunicação, da sociologia à política.
O que sucede é que hoje os mediadores estão sentados à nossa frente, 24 horas sobre 24 horas, nas rádios, nos jornais, na televisão. Os jornalistas dão as notícias e logo vemos ao lado os comentadores. Eles virão logo a  seguir explicar a notícia, dar-nos a perceber, desviar-nos o olhar para o ecran. 

4 comentários:

João Ramos Franco disse...

A minha distância da realidade de Pacheco Pereira, resume-a Fernando Fessoa no cito:
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

João Ramos Franco disse...

No Jornal O Público, quando noticiam o Caso Freeport a noticia termina quase sempre deste modo, no final:

O processo relativo ao espaço comercial Freeport de Alcochete está relacionado com alegadas suspeitas de corrupção na alteração à Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo (ZPET) decidida três dias antes das eleições legislativas de 2002, através de um decreto-lei, quando era ministro do Ambiente José Sócrates.

Será que este modo de dar a notícia não é politico/partidário tendencioso?
João Ramos Franco

Anónimo disse...

Pacheco Pereira dá o seu contributo regular há pelo menos 30 anos para a cenarização que agora lamenta. Esta esquizofrenia de politicos que às segundas fazem intriga, às terças dão conselhos, às quartas opinam nos media, às quintas telefonam aos amigos e conhecidos dos jornais e da televisão, e às sextas lamentam a promiscuidade entre política e comunicação é uma doença à solta.
MT

Anónimo disse...

"Eles virão logo a seguir explicar a notícia, dar-nos a perceber, desviar-nos o olhar para o ecran." Concordo. Mas mais: fazem-no sobre tudo e mais alguma coisa: especialistas instantâneos ou será apenas "on bullshit"?

“On bullshit” é o título de um pequeno livro do filósofo americano Harry G. Frankfurt e na tradução portuguesa ficará, provavelmente, como “a conversa da treta”.

Mesmo com a quantidade enorme de “bullshit” nas nossas sociedades, não há estudos profundos sobre o tema, diz o autor.

Por isso, “não existe uma teoria geral do “bullshit”, o que é paradoxal, considerando a sua ubiquidade”. “O “bullshit “ é uma ameaça mais insidiosa para a verdade do que a mentira, pois está totalmente desligado de uma preocupação com a verdade - enquanto os mentirosos podem manter uma ideia clara da verdade. O “bullshit” é objecto de uma estranha tolerância, enquanto a mentira é vista em geral sem benevolência”. “Outra das razões para o aumento do “bullshit “, é o facto da sociedade actual exigir de todos que tenhamos opinião sobre tudo, mesmo sobre aquilo que desconhecemos - o que constitui uma excelente oportunidade para “bullshit “. Neste contexto, é evidente que o mundo dos media constitui um excelente caldo de cultura “bullshit “”.

Abraço.

Paulo Prudêncio