terça-feira, 31 de março de 2009

Lembro-me...

Fascinado pelo livro de Georges Perec (1936-1982), Je me Souviens. Les Choses Comunnes, publicado em 1978, Juan Bonilla  abriu uma página com o mesmo título. Qualquer pessoa pode enviar-lhe o seu Je me souviens (lembro-me), para ser publicado.
Perec escreveu um livro com 480 entradas todas elas começadas por um Je me souviens. Trata-se de uma obra deliberadamente não literária, onde cada entrada remete para uma recordação concreta, do tipo "Lembro-me que o meu Tio tinha um CV11 com a matrícula 7070RL". Os 480 registos de memórias de Perec constituem - embora nem todos sejam facilmente identificáveis pelo leitor - uma narrativa sobre o seu tempo sustentada pela experiência retida pela memória.
Bonilla colecciona edições de Perec. Sucede que o editor acrescentara umas páginas em branco, convidando o leitor a somar as suas recordações às do autor. O próprio Bonilla não resistiu a esse convite e preencheu as páginas do primeiro exemplar que adquiriu, com anotações como  "Lembro-me do Skylab", ou "Lembro-me do macaco azul que foi a primeira prenda que dei ao meu sobrinho".  Num dos livros da sua colecção, o anterior proprietário escrevera: "Lembro-me que o meu primeiro cão que tive era cego e diabético", "lembro-me do som do mar pela noite dentro".
É provavelmente nesta capacidade de recordar que reside o essencial do espírito humano, o que nos distingue do não-humano. Os distúrbios de tal faculdade prenunciam em regra a perda de outras. A psicologia debruçou-se sobre os efeitos devastadores de lesões neurológicas que afectaram os centros coordenadores da memória em seres humanos.
Miriam Jimenez escreveu a 20 de Novembro de 2008 no Je me souviens de Juan Bonilla:
"Lembro-me da primeira vez que vi nevar"
Susana Panullo escreveu a 28 de Março de 2009:
"Lembro-me da manhã fria de seis de Janeiro quando saí de casa e no meu coração se tinha instalado uma profunda tristeza.
Lembro-me que quando saí de casa triste e sombria me dirigi ao cabeleireiro que estava fechado e logo percebi que era dia de Reis.
Lembro-me de quando fechaste a porta e saí e nunca mais te vi."

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