sexta-feira, 8 de maio de 2009

Vem Serenidade

Vem, serenidade,
e faz que não fiquemos doentes, só de ver
que a beleza não nasce dia a dia na terra.

E reúne os pedaços dos espelhos partidos,
e não cedas demais ao vislumbre de vermos
a nossa idade exacta
outra vez paralela ao percurso dos pássaros.

E dá asas ao peso
da melancolia,
e põe ordem no caos e carne nos espectros,
e ensina aos suicidas a volúpia do baile,
e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem,
e não apagues nunca o fogo que os consome.
o impulso que os coloca, nus e iluminados,
no topo das montanhas, no extremo dos mastros
na chaminé do sangue.

Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retracteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.

Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.

Excerto de um dos mais extraordinários textos da poesia portuguesa, de Raul de Carvalho. A totalidade do poema Serenidade és Minha pode ser lido aqui.
Vem serenidade. Ou vou eu à tua procura. Até Segunda-Feira. 

5 comentários:

Anónimo disse...

"Para sempre irreal,
para sempre obscena,
para sempre inocente
Serenidade, és minha."

Lindo, lindo, lindo, todo o poema!
MV

João Ramos Franco disse...

A Serenidade está em ti e até a partilhas nas tuas palavras. Eu sinto-a...
As causas que muitas vezes nos afastam da Serenidade, são emoções provocadas por razões que já conhecemos…
João Ramos Franco

Anónimo disse...

Serenidade
Feriram-te, alma simples e iludida.
Sobre os teus lábios dóceis a desgraça
Aos poucos esvaziou a sua taça
E sofreste sem trégua e sem guarida.

Entretanto, à surpresa de quem passa,
Ainda e sempre, conservas para a Vida,
A flor de um idealismo, a ingênua graça
De uma grande inocência distraída.

A concha azul envolta na cilada
Das algas más, ferida entre os rochedos,
Rolou nas convulsões do mar profundo;

Mas inda assim, poluída e atormentada,
Ocultando puríssimos segredos,
Guarda o sonho das pérolas no fundo.
Raul de Leoni

Abraço amigo e sereno.
NB

Margarida Araújo disse...

Que a encontres, que a encontremos.
Lindo!

Isabel X disse...

O poema é belíssimo! Quanto à busca da serenidade em todo um fim-de-semana (isso hoje em dia é muito tempo, não?), nem sei que diga... Prefiro-lhe o poema da canção de José Mário Branco, que aqui aprendi, há algum tempo: "Inquietação". Daí nasce alguma coisa que é linda! Ou algo parecido... Lembram-se?
-Isabel X -