sábado, 6 de junho de 2009

Memória, entendimento e vontade

O carácter de imagem sua pô-lo Deus porventura na alma do homem; porque se há-de entregar o governo a homens sem alma? - Sim, mas não só por isso. Não basta que o que houver de governar seja homem com alma; mas é necessário que seja alma com homem. Se tiver alma e boa alma, não quererá fazer mal; mas se juntamente não tiver actividade e resolução e talento de homem, não fará cousa boa. Deu-lhe Deus memória, entendimento e vontade; a memória para que se lembre da sua obrigação; o entendimento para que saiba o que há-de mandar, e a vontade para querer o que for melhor;  e não homens de uma só potência (que por isso fazem impotências) e faltando-lhe a memória e o entendimento só têm vontade.

Padre António Vieira, "Sermão da Dominga Vigésima Segunda "Post-Pentcosten", pregado quando o Estado do Maranhão se repartiu em dois governos". In Obras Escolhidas. Sermões I. 2ª edição.  Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1996.

2 comentários:

Isabel X disse...

É espantosa a actualidade deste texto! Mesmo estando em causa a pasagem de quase quatro séculos.
A realidade reflecte-se sempre nas palavras de quem, como Vieira, construiu (foi?) pensamento e acção, ao longo da própria vida. A forma e o método podem ser outros, mas o conteúdo já lá está.
Quanta vontade sem entendimento nem memória é responsável pelas impotências de agora! Vermos a imagem do que somos reflectida no espelho de palavras tão (aparentemente)longínquas não nos deve causar inquietação alguma. É até reconfortante esta possibilidade.
- Isabel X -

João Ramos Franco disse...

Se foi Ele que deu não sei, mas que todo este princípio é válido não tenho a mínima dúvida.
João Ramos Franco