quinta-feira, 4 de junho de 2009

Não vão deixar de me pertencer...

Foi buscar o lenço de assoar enorme, a cheirar a nicotina, e esfregou-me a testa e as fontes, a enxugá-las. Agora, antes de mais, acalma-te, Witt-Witt, um dia hás-de entender: aquilo que fizémos e juntámos não desaparece do mundo assim tão depressa. O nosso rasto fica mais tempo do que nós pensamos; tão depressa não se perde nada. Pensa bem: sei pouco do velho Frederiksen, que aqui vivia, mas ele media o filho na ombreira da porta, de seis em seis meses, e fez ali marcas com uma faca: ainda que seja só isto, alguma coisa ficou. Deu-me umas palmadinhas na coxa. Para que alguma coisa fique, disse ele, temos que não voltar a vê-la; há coisas que a gente tem que perder primeiro para as poder possuir sem cuidados. Quando eu penso. Podiam ser setecentos quadros, talvez até oitocentos. Não vão deixar de me pertencer, mesmo que eu nunca mais lhe ponha a vista em cima.

Siegfried Lenz, A Lição de Alemão. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1991. p. 314-315.

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