segunda-feira, 17 de maio de 2010

Gestão de crise

Se a gestão da crise é cada sobretudo uma gestão da decepção, o Primeiro Ministro tem tido dificuldade em encontrar o registo certo. O seu evidente voluntarismo não esconde um défice de discurso, ou aquilo a que chamei um discurso que remeta para um mínimo de reflexividade que permita a todos perceber o que correu mal e o que podemos ainda fazer pelos nossos próprios meios. Parece incongruente, no mínimo, impor aos portugueses sacrifícios por erros e males que vem exclusivamente de fora e cujos resultados são envolvidos numa retórica gasta e duvidosa.
Francisco Sarsfield Cabral, um comentador político moderado e com uma longa carreira de observação e conselho perspicazes, é demolidor hoje no Público.
O comportamento errático do primeiro-ministro, reagindo com atraso e a reboque dos acontecimentos, em vez de os antecipar, tem desde há muito um efeito nefasto na opinião pública. Não lhe transmitindo uma ideia realista da gravidade da situação, não a prepara para os inevitáveis sacrifícios. Falta explicar às pessoas os problemas do país, com verdade e sem cenários cor-de-rosa, ou seja, as autênticas razões da austeridade.
Os mercados também reparam no optimismo de Sócrates. Eles vêm os gregos reagirem violentamente contra a austeridade, em parte porque o seu anterior governo não apenas manipulou as estatísticas enviadas a Bruxelas como enganou o próprio povo, fazendo-o crer que podia viver como se fosse rico, ao mesmo tempo que as exportações gregas perdiam competitividade, estando já excluída a desvalorização da moeda. Tal como cá.
O Governo escondeu a crise estrutural portuguesa, em particular o défice externo (assunto para ele tabu), com a crise internacional, culpa dos outros. Depois, atribuiu as responsabilidades pelo actual aperto aos especuladores, como se não se soubesse que Portugal gasta mais de 10% acima do que produz, pedindo emprestado para cobrir a diferença. Assim, em todo o mundo houve quem apostasse em que não pagaríamos a crescente dívida externa; outros investidores simplesmente tiveram medo e livraram-se dela. Por isso encareceu tanto o crédito a Portugal.
Francisco Sarsfield Cabral, "O défice de liderança política". O Público, 17 de Maio de 2010.

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