domingo, 27 de junho de 2010

Monsaraz (2): que turismo?

Tenho uma memória pessoal imprecisa de Monsaraz antes de 1987. Nesse ano, fui convidado por um grupo de amigos e antigos alunos para participar num colóquio sobre “Poderes locais em perspectiva histórica”. O encontro pode não ter sido um acontecimento científico digno de nota – a verdade é que as actas nunca foram publicadas – mas foi um êxito de comunicação (a concentração de jovens historiadores do liberalismo era impressionante) e julgo que não deixou de ter alguns reflexos na imagem externa do concelho. O facto de a Ana Paula Amendoeira ter regressado à sua terra natal, depois de concluído o seu curso de História, contribuiu também e simultaneamente, para um novo interesse por Monsaraz como destino de turismo cultural. A Ana Paula encetava então uma carreira na autarquia, como técnica superior da área cultural, vindo a ser chamada em 2000, às funções de Chefe de Divisão da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz. Toda a sua actuação se pautou por uma cuidada e exigente atenção ao património e uma criteriosa programação cultural que habitasse sustentavelmente aquele património.
Entre o final da década de 80 e o ano de 2005 devo ter rumado a Monsaraz todos os anos, mais do que uma vez, em busca do sossego das suas ruas, das novidades do seu turismo gastronómico e residencial, para participar nas suas festas da Olaria e do Barro, seguir algumas iniciativas mais envolventes, preparar ou integrar visitas de outras personagens, procurar amigos entretanto criados (a começar pela própria Ana Paula), acompanhar trabalhos de campo que tinham por objecto a mudança provocada pelo turismo, ou até para proporcionar ao meu filho uma semana de concentração e estudo em véspera de exames importantes. Em 2001, comissariei, a convite da Ana Paula, uma exposição do ceramista Ferreira da Silva em Monsaraz, integrada na semana de animação cultural e artística baptizada “Monsaraz Museu Aberto”.
Conheci pois, de perto, a evolução do turismo cultural de Monsaraz, a orientação que foi transmitida à actuação da autarquia, os seus pontos de apoio públicos e particulares, e realizações mais significativas.
Uma recente visita a Monsaraz, após uma interrupção de 4 anos, permitiu perceber que, entretanto, alguma coisa mudara.
Havia uma feira de velharias na Praça central, mas o único multibanco da vila não funcionava (e parecia não funcionar há semanas). Há uma loja de vinhos (ligada à Cooperativa de Reguengos) e um café-restaurante com mobiliário desenhado, mas fechou um dos restaurantes de comida tradicional. Há duas lojas novas, uma das quais gerida por uma cidadã do norte da Europa, mas à noite não encontrei nem um café aberto, nem uma sombra de vida na rua.
A animação do espaço público extinguiu-se pois, aparentemente, e terá sido absorvida por eventos promovidos por uma ou outro estabelecimento turístico (hotéis ou restaurantes). Mas sobretudo não vi nenhum sinal de um, um só, evento cultural inscrito em programa, passado ou futuro. Na sede do concelho, alguns cartazes anunciavam para as próximas festas dos santos, uma tourada.
Fiquei com a sensação de que uma mutação dos fluxos turísticos estava em curso, com uma aposta da autarquia sobretudo no destino Alqueva.
Se assim foi, Monsaraz pode ter deixado de ser um destino prioritário para ser um destino associado. O esforço para conferir ao destino Monsaraz uma identidade turística, baseada não apenas na fruição do património, mas no seu estudo e discussão, numa actividade cultural exigente e contemporânea, e que vinha sendo dominante na acção da autarquia, foi abandonado. Monsaraz tenderá a tornar-se um ponto de passagem para os que se dirigem à barragem do Alqueva. Verifiquei que muito deste turismo se desloca em grupo organizado e, certamente, após um passeio de barco, procura um restaurante de grandes dimensões, com a logística adequada. Os restaurantes de Monsaraz não estão nesse registo.
A visão mais eloquente desta (má) impressão foi-me dada pela instalação que o escultor José Aurélio criou para a edição de 2000 de "Monsaraz Museu Aberto". Tratava-se de uma armação em ferro com uma dezena de tubos no cimo dos quais peixes de várias cores se moviam com o vento. Este conjunto de cataventos recuperava pois a imagem do peixe voador, numa alusão ao grande lago do Alqueva, naquele ano ainda em fase de enchimento. Pois bem, na ausência de manutenção ou reparação, os tubos já não apresentam peixes, na sua maioria, e os poucos sobreviventes estão empenados e tem os mecanismos giratórios emperrados. Deplorável!

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