terça-feira, 19 de outubro de 2010

As cinzas de A.

Em pouco mais de um ano, A. perdeu Alice, Ritinha e Zsa Zsa. Agora, na parte superior do móvel da sala, as três caixas, contendo as cinzas respectivas, são o que resta dos seres que amou e que nunca a decepcionaram.
As cinzas de Ritinha e Zsa Zsa guardam o espaço que tomaram como seu durante a maior parte das suas vida. Naquele apartamento de Paris, questionaram e dividiram territórios, partilharam equipamentos e afectos. Criaram e impuseram rotinas, experimentaram solidões e ganharam recompensas. O que delas resta ficará por ali, bem perto do computador e da televisão, a cujo calor se acolhiam enquanto vigiavam os movimentos de A.
As cinzas de Alice, ao contrario, vêm sendo espalhadas, paulatinamente, pelos sítios onde a seu modo foi feliz. Primeiro em Lisboa, na Suprema, no Luanda, no quiosque da Avenida de Roma onde comprava tabaco. Depois rumaram a Paris. Uma noite, ao jantar, no La Coupole, A. deixou uma mancheia. Outra está destinada a Londres, a um jardim do Palácio de Buckingham É que Alice tanto se encantava com a Rainha que conhecera ainda jovem, de visita a Portugal.
A. não sabe quanto tempo precisa para cumprir a tarefa que se impôs de escolher um destino para as cinzas de Alice. Não tem pressa. As três caixas, ao lado umas das outras, dão mais sentido do que poderia supor aos dias voláteis da cidade desencantada.

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