quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Claude Lévi-Strauss (2)

Didier Eribon: A música conta para a sua vida?
Claude Lévi-Strauss: Enormemente. Estou sempre a ouvir música, trabalho com música. Isto pode suscitar a crítica dos melómanos, que me acusariam de transformar a música em ruído de fundo. As coisas são muito mais complicadas, e eu terei dificuldade em explicar a relação entre o meu trabalho e a música, a não ser que recorra a uma comparação. Porque é que o nu tem um lugar tão grande na pintura? Podemos supor que seja por causa da beleza intrínseca de um corpo. A razão parece-me distinta desta. Até um pintor menos sensível, habituado a recorrer a modelos, não deixará de experimentar uma certa excitação erótica à vista de um corpo belo. Este erotismo leve estimula-o e espevita a sua percepção; pinta melhor. Consciente ou inconscientemente, o artista procura esse estado de graça. A minha relação com a música é da mesma ordem: penso melhor ouvindo música. Uma relação contrapontística é estabelecida entre a articulação do discurso musical e o fio da minha reflexão. Ora seguem a par, ora se afastam, juntam-se outra vez. Quantas vezes não reparei que, ouvindo uma obra, suspendi a audição enquanto uma ideia nascia! Depois da separação temporária que possibilita a autonomia do meu pensamento, este volta a envolver-se na obra musical, como se o discurso mental tivesse, por um momento, desligado o discurso musical permanecendo em cumplicidade com ele.
De prés et de loin, entretiens, Claude Lévi-Strauss, Didier Erion. Ed. Odile Jacob, 1988.

Magazine Littéraire. Hors-Série nº 5. "Lévi-Strauss, l'ethnologie ou la passion des autres". 2003. p. 86.

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