quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Essa nossa espécie de inocência

Tal como a própria Grécia considerava aqueles que não falavam grego, os outros foram vistos primeiro como bárbaros, selvagens, como se dizia. Ora, quando lemos a Carta de Pero Vaz de Caminha ficamos muito admirados porque os portugueses não se espantaram com coisa nenhuma. Contrariamente àquilo que aconteceu com os conquistadores espanhóis, os portugueses nunca duvidaram que aqueles sujeitos  - sobretudo as sujeitas - que eles encontraram fosse seres humanos: não só seres humanos, como seres humanos maravilhosos.
Começou aí uma espécie de leitura que vai criar muitas desilusões a uns e a outros, mas na verdade podemos considerar uma benção o facto de essa nossa espécie de inocência - nossa, dos portugueses, menos hipercultivados e sofisticados em relação ao que já era a grande cultura europeia -, o facto de essa nossa ignorância divina não ter excluído da humanidade aqueles primeiros sujeitos com que nos encontrámos.
E não só os encontrámos humanos - e as expressões disso duraram anos através da outra Europa -, não só os considerámos divinos, mas achámos, como diz a carta de Pero Vaz de Caminha, que essas jovens brasileiras, que ainda não tinham nome, eram mais belas que as mulheres (peço desculpa) de Entre Douro e Minho.

Eduardo Lourenço, Conferência proferida em Guimarães, na Sociedade Martins Sarmento, a 23 de Janeiro de 2010, publicada com o título Pequena Meditação Europeia. Lisboa, Verbo, 2011. p 29-30

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