domingo, 27 de novembro de 2011

À janela de Eça


E, todavia, Deus sabe que elle não é agradavel, esse inverno de Londres! De manhã, ao acordar, tem-se deante da janella uma sombra opaca, espessa, parda, arripiadora e sinistra: é necessario fazer a barba, com o gaz flammejando; almoça-se com todas as velas do candelabro accesas, e a carruagem que nos conduz é precedida de um archote. Ao meio dia esta decoração de inverno muda; a sombra perde o tom pardo e, por gradações odiosas, ganha um amarello de óca e começa a exalar um vapor fetido. Respira-se mal, a roupa toma um pegajoso humido sobre a pelle, os edificios que nos cercam apparecem com as linhas vagas e chimericas das cidades malditas do Apocalypse, e o estrondo de Londres, este rude, tremendo estrepito, que deve lá em cima incommodar a corte do ceu, adquire uma tonalidade surda e roncante como um fragor n'um subterraneo.

Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra1905.

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